segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

CAPÍTULO 11

-Fostes o primeiro rapaz que beijei - confidenciou-me. Faltavam apenas uns dias para o Ano Novo nós estávamos no pontão de Iron Steamer em Pine Knoll Shores. Para lá chegar, tivemos de atravessar a ponte sobre a Intracoastal Waterway e descer um pouco ao longo da ilha. Hoje em dia, o lugar tem algumas das casas de praia mais caras de todo o estado, mas, naquela altura, havia, sobretudo dunas de areia perto da Floresta Nacional Marítima.
- Calculei que fosse - disse eu.
- Porquê? - perguntou ingenuamente. - Beijei mal?
Não me parecia que ficasse muito aborrecida se lhe dissesse que sim, mas isso não teria sido verdade.
- Beijas muito bem - disse, apertando-lhe a mão.
Acenou com a cabeça e voltou-se para o mar, os olhos ganhando de novo aquela expressão distante. Ultimamente, isso acontecia com muita freqüência. Deixei-a continuar assim antes de o silêncio começar a inquietar-me.
- Sentes-te bem, Jamie? - perguntei, por fim. Em vez de responder, mudou de assunto.
- Já alguma vez estiveste apaixonado? - perguntou-me.
Passei a mão pelo cabelo e fixei-a com o olhar.
- Queres dizer antes de agora?
Disse-o como James Dedam o teria dito, da maneira como Eric me indicara para dizer se alguma vez uma garota me fizesse essa pergunta. Eric era bastante astuto com as mulheres.
- Estou a falar a sério, Landon - disse ela, olhando-me de soslaio.
Suponho que também tinha visto aqueles filmes. Com Jamie, começava a ter consciência disso, eu parecia estar sempre a ir de cima para baixo e de novo para cima em menos tempo do que leva a matar um mosquito. Ainda não tinha bem a certeza se gostava dessa parte da nossa relação embora, para ser franco, isso me obrigasse a estar sempre atento. Sentia-me ainda meio tonto enquanto pensava na sua pergunta.
- Por acaso, já - disse, por fim.
Ela tinha ainda os olhos fixados no oceano. Acho que pensou que eu estava a falar de Angela, mas, olhando para trás, julgo que me apercebi então de que o que tinha sentido por Angela era completamente diferente do que estava a sentir naquele momento.
- Como é que sabes que era amor? - perguntou-me.
Observei a brisa a levantar-lhe levemente os cabelos, e sabia que não era altura de fingir ser uma coisa que na verdade não era.
- Bem - afirmei num tom sério -, sabe-se que é amor quando tudo o que nos apetece fazer é estar com a outra pessoa, e sabemos mais ou menos que a outra pessoa sente o mesmo.
Jamie pensou na minha resposta antes de sorrir vagamente.
- Estou a ver - disse ela baixinho. Esperei que acrescentasse mais alguma coisa, mas não o fez e cheguei subitamente a outra conclusão.
Jamie podia não ter muita experiência com rapazes, mas, para vos dizer a verdade, parecia estar a manipular muito bem os meus sentimentos.
Durante os dois dias seguintes, por exemplo, voltou a usar o cabelo apanhado.

Na véspera do Ano Novo levei Jamie a jantar fora. Era a primeira vez que ela tinha um encontro para jantar fora e fomos a um pequeno restaurante chamado Flautem's junto ao canal em Morehead City. O Flautem's era daqueles restaurantes com toalhas de mesa e velas e cinco talheres de prata diferentes por pessoa. Os empregados de mesa vestiam-se de preto e branco, como mordomos, e quando olhávamos pelas janelas gigantescas que se estendiam ao longo de toda a parede, podíamos contemplar o luar a reflectir-se nas águas tranqüilas.
Tinha também um pianista e uma cantora, não todas as noites ou mesmo todos os fins-de-semana, mas aos feriados, quando pensavam que o restaurante ia encher. Tive de fazer uma reserva e, da primeira vez que telefonei, disseram-me que já não havia mesas disponíveis. Mas pedi à minha mãe que telefonasse e, de repente, surgiu uma mesa vaga. Suponho que o dono precisasse de um favor do meu pai ou coisa parecida, ou talvez apenas não quisesse aborrecê-lo, sabendo que o meu avô nessa altura ainda estava vivo.
Na verdade, foi a minha mãe que teve a idéia de eu levar Jamie a um sítio especial. Dois dias antes, num daqueles dias em que Jamie resolveu usar o cabelo apanhado, conversei com a minha mãe sobre aquilo por que estava a passar.
- Não consigo pensar noutra coisa senão nela, mãe - confessei. - Quer dizer, eu sei que ela gosta de mim, mas não sei se sente o mesmo que eu sinto.
- Ela é assim tão importante para ti? - perguntou.
- É - respondi baixinho.
- Bem, o que é que tentaste até agora?
- Que quer dizer?
A minha mãe sorriu.
- Quero dizer que as mulheres, mesmo a Jamie, gostam que as façam sentir-se especiais.
Pensei nisso durante um momento, um pouco confuso. Não era o que andava a tentar fazer?
- Bem, tenho ido a casa dela todos os dias - disse eu.
A minha mãe pousou-me a mão no joelho. Apesar de não ser uma grande dona de casa e, de por vezes, me provocar, como já referi, era mesmo uma senhora amorosa.
- Ir a casa dela é bom, mas não é a coisa mais romântica do mundo. Devias fazer alguma coisa que lhe mostrasse realmente o que sentes por ela.
A minha mãe sugeriu que comprasse um perfume e, embora soubesse que Jamie provavelmente ficaria contente por o receber, não me pareceu bem. Primeiro porque uma vez que Hegbert não a deixava usar maquiagem - a única exceção foi no espetáculo de Natal - tinha a certeza de que ela não podia usar perfume. Disse isso à minha mãe, e foi então que ela sugeriu que a levasse a jantar fora.
- Já não tenho dinheiro - disse-lhe, desanimado. Embora a
minha família fosse rica e eles me dessem uma mesada, nunca me davam extras se a gastasse demasiado depressa.
- Ajuda-te a ser responsável - disse o meu pai, explicando-me uma vez.
- Que aconteceu ao teu dinheiro no banco?
Suspirei, e a minha mãe ouviu-me em silêncio enquanto lhe expliquei o que tinha feito. Quando terminei, uma expressão de satisfação tranqüila atravessou-lhe o rosto, como se também ela soubesse que eu estava finalmente a tornar-me adulto.
- Deixa que eu trato disso - disse baixinho. - Tu tratas apenas de saber se ela gostaria de ir e se o Reverendo Sullivan o permite. Se ela puder ir, arranjaremos maneira de fazer com que isso aconteça. Prometo.

No dia seguinte, fui até à igreja. Sabia que Hegbert estaria no seu gabinete. Ainda não tinha perguntado a Jamie porque calculei que precisasse da autorização dele e, por uma razão ou por outra, queria ser eu a perguntar-lhe. Julgo que tinha a ver com o fato de Hegbert não me receber propriamente de braços abertos quando eu aparecia lá em casa. Sempre que me via subir a ladeira tal como Jamie, tinha um sexto sentido no que dizia respeito a isso espreitava pelas cortinas, recuando depois rapidamente, pensando que eu não o tinha visto. Quando eu batia à porta, levava muito tempo a abri-la, como se tivesse de vir da cozinha. Olhava para mim durante um bom bocado, depois suspirava profundamente e abanava a cabeça antes de me cumprimentar.
A porta estava entreaberta e vi-o sentado à secretária, os óculos apoiados sobre o nariz. Estava a examinar uns papéis tinha quase a certeza de que tinham que ver com finanças e imaginei que estivesse a calcular o orçamento da igreja para o ano seguinte. Até os reverendos tinham contas para pagar.
Bati à porta, e ele ergueu o olhar com interesse, como se estivesse à espera de outro membro da congregação, depois franziu o sobrolho quando viu que era eu.
- Bom dia, Reverendo Sullivan - disse educadamente. - Tem um momento?
Parecia ainda mais cansado do que o costume, e calculei que não estivesse a sentir-se bem.
- Olá, Landon - disse ele com um ar fatigado.
Tinha-me vestido com muito cuidado para a ocasião, de casaco e gravata.
- Posso entrar?
Acenou levemente com a cabeça e eu entrei no gabinete. Fez-me sinal para me sentar na cadeira em frente da secretária.
- Que posso fazer por ti? - perguntou.
Endireitei-me nervosamente na cadeira.
- Bem, Reverendo, queria fazer-lhe uma pergunta.
Fitou-me, estudando-me, e por fim falou.
- Tem que ver com Jamie? - perguntou.
Respirei fundo.
- Sim, Reverendo. Queria perguntar se o senhor não se importaria que eu levasse Jamie a jantar fora na véspera do Ano Novo.
Ele suspirou.
- É só isso?
- Sim, Reverendo - respondi. - Trago-a de volta a casa a qualquer hora que o senhor achar conveniente.
Tirou os óculos e limpou-os com o lenço antes de voltar a colocá-los no nariz. Percebi que estava a aproveitar o momento para pensar no assunto.
- Os teus pais também vão? - perguntou.
- Não, Reverendo.
- Então não penso que seja possível. Mas obrigado por teres pedido a minha autorização primeiro. - Voltou o olhar para os papéis, tornando claro que era altura de eu partir. Levantei-me da cadeira e dirigi-me para a porta. Prestes a sair, enfrentei-o de novo.
- Reverendo Sullivan?
Ergueu o olhar, surpreendido por eu ainda ali estar.
- Peço desculpa por aquelas coisas que costumava fazer quando era mais novo e peço desculpa também por nem sempre ter tratado Jamie da maneira como ela merecia. Mas, a partir de agora, vai tudo mudar, prometo-lhe.
Parecia atravessar-me com o olhar. Não era o suficiente.
- Eu amo-a - disse por fim e, quando o disse, a sua atenção centrou-se novamente em mim.
- Eu sei que amas - respondeu num tom triste - mas não quero vê-la magoada. - Devia ser imaginação minha, mas pareceu-me ver os seus olhos encherem-se de lágrimas.
- Não lhe faria isso - disse eu.
Virou-me a cara e olhou pela janela, observando o sol de Inverno tentar forçar o seu caminho através das nuvens. Estava um dia cinzento, frio e triste.
- Traga a de volta às dez - disse ele por fim, como se soubesse que tinha tomado a decisão errada.
Sorri e quis agradecer-lhe, mas não o fiz. Vi que queria ficar sozinho. Quando olhei por cima do ombro ao sair pela porta, fiquei perplexo ao vê-lo cobrir o rosto com as mãos.

Uma hora depois, fiz o convite a Jamie. A primeira coisa que disse foi que achava que não poderia ir, mas informei-a que já falara com o pai. Pareceu surpreendida, e penso que isso teve influência na maneira como me começou a encarar a partir dali. O que não lhe contei foi que quase parecera que Hegbert estava a chorar quando saí do seu gabinete. Não só não compreendia inteiramente aquela situação, como não queria que ela se preocupasse. Naquela noite, porém, depois de falar novamente com a minha mãe, ela deu-me uma explicação possível que, para ser franco, fazia todo o sentido para mim. Hegbert deve ter-se apercebido de que a filha estava finalmente a crescer e de que aos poucos estava a perdê-la para mim. De certa maneira, esperava que isso fosse verdade.
Fui buscá-la exatamente à hora combinada. Embora não lhe tivesse pedido para usar o cabelo solto, ela fizera-o por mim. Atravessamos a ponte em silêncio, seguindo ao longo do canal até ao restaurante. Quando chegamos à recepção, o próprio dono apareceu e acompanhou-nos até à nossa mesa. Era uma das melhores no restaurante.
Estava cheio quando chegamos e por toda a sala as pessoas pareciam bem dispostas. Na véspera de Ano Novo todos se vestiam elegantemente e nós éramos os únicos adolescentes no restaurante. Contudo, não me pareceu que destoássemos muito.
Jamie nunca estivera antes no Flautem's, e só precisou de alguns minutos para absorver tudo aquilo. Parecia feliz e nervosa ao mesmo tempo. Percebi logo que a minha mãe tinha feito a sugestão certa.
- É maravilhoso - comentou. - Obrigada por me teres convidado.
- O prazer é todo meu - disse, sinceramente.
- Já aqui estiveste antes?
- Algumas vezes. Os meus pais gostam de vir cá de vez em quando, quando o meu pai não está em Washington.
Ela olhou pela janela e observou um barco que passava diante do restaurante com as luzes a brilhar. Por um momento, parecia maravilhada.
- Isto é muito bonito.
- Também és muito bonita - disse eu.
Jamie corou.
- Não estás a falar a sério.
- Claro que estou - balbuciei.
Demos as mãos enquanto esperamos pelo jantar e conversamos sobre algumas das coisas que tinham acontecido nos últimos meses. Ela riu-se quando falamos do baile, e eu finalmente contei-lhe a verdadeira razão por que lhe pedira para ir comigo. Não levou muito a mal - riu-se do assunto e eu sabia que ela já tinha percebido isso sozinha.
- Levavas-me outra vez? - perguntou a brincar.
- Claro.
O jantar estava delicioso - ambos pedimos perca-do-mar e
saladas, e quando o empregado, por fim, retirou os nossos pratos, a música começou a tocar. Ainda tínhamos uma hora antes de eu ter de a levar a casa, e ofereci-lhe a minha mão.
A principio, éramos os únicos na pista de dança. Toda a gente olhava para nós enquanto deslizávamos na pista. Penso que sabiam o que estávamos a sentir um pelo outro, e isso fazia-os recordarem-se de quando eram jovens também. A pista estava pouco iluminada e quando a cantora iniciou uma melodia lenta, segurei Jamie mais perto de mim com os meus olhos fechados, perguntando-me se alguma coisa na minha vida fora assim tão perfeita, sabendo ao mesmo tempo em que não.
Estava apaixonado, e a sensação era ainda mais profunda do que alguma vez eu imaginara ser possível.

Depois do Ano Novo passamos a semana e meia seguinte juntos, a fazer o que os casais jovens faziam naqueles tempos, embora de vez em quando ela parecesse cansada e apática. Passamos algum tempo à beira do rio Neuse, a lançar pedras à água, observando a ondulação enquanto conversávamos, ou íamos à praia perto de Fort Macon. Apesar de ser Inverno e do oceano estar da cor do ferro, era algo que gostávamos de fazer. Passada mais ou menos uma hora, Jamie pedia-me para a levar a casa e dávamos as mãos no carro. às vezes, parecia-me, ela quase adormecia antes mesmo de chegarmos, enquanto noutras ocasiões tagarelava o caminho todo, de tal modo que eu mal conseguia meter uma palavra pelo meio.
Claro, passar o tempo com Jamie também implicava fazer as coisas de que ela gostava. Embora não fosse às suas aulas de estudo da Bíblia não queria fazer figura de idiota diante dela fizemos mais duas visitas ao orfanato e, de cada vez que lá íamos, ia-me sentindo mais em casa. Uma vez, porém, tivemos de partir mais cedo, porque ela estava a ficar ligeiramente febril. Até para os meus olhos inexperientes, era evidente que o seu rosto estava ruborizado.
Tornamo-nos a beijar, também, embora não todas as vezes em que estivemos juntos, e nem sequer pensei em tentar ir mais longe. Não havia necessidade de o fazer. Havia algo de agradável quando a beijava, algo delicado e bom, e isso era suficiente para mim. Quanto mais o fazia, mais me apercebia de que Jamie tinha sido incompreendida a vida inteira, não apenas por mim, mas por toda a gente.
Jamie não era apenas a filha do Reverendo, alguém que lia a Bíblia e se esforçava por ajudar os outros. Jamie era também uma menina de dezessete anos com as mesmas esperanças e dúvidas que eu. Pelo menos, era isso que pensava, até ela finalmente me contar.

Nunca me esquecerei desse dia, porque ela esteve muita calada, e eu tivera durante o dia inteiro a sensação estranha de que ela estava a pensar em algo de importante.
Vínhamos do Cecil's Diner no sábado antes de as aulas começarem de novo, e acompanhava-a a casa. Era um dia de temporal com um vento de nordeste violento e cortante, que soprava desde a manhã anterior. Enquanto caminhávamos, tínhamos de nos encostar muito um ao outro para nos mantermos quentes. Jamie tinha o braço preso em torno do meu, e caminhávamos devagar, ainda mais devagar do que habitualmente, quando reparei que ela não se estava a sentir bem outra vez. Na verdade, ela não tinha querido ir comigo por causa do tempo, mas eu insisti por causa dos meus amigos. Estava na altura, lembro-me de pensar, de eles finalmente saberem de nós. O único problema era que mais ninguém estava no Cecil's Diner. Como em muitos centros costeiros, não havia muita animação à beira-mar a meio do inverno.
Jamie caminhava em silêncio e eu sabia que ela estava a pensar na melhor maneira de me dizer qualquer coisa. Mas não esperava que começasse a conversa do modo como o fez.
- As pessoas acham que eu sou estranha, não acham? - disse ela finalmente, quebrando o silêncio.
- Que queres dizer? - perguntei, apesar de saber a resposta.
- As pessoas na escola.
- Não, não acham nada - menti.
Beijei-lhe a face enquanto apertava ligeiramente o seu braço um pouco mais junto de mim. Ela encolheu-se, e percebi que, de alguma forma, a tinha magoado.
- Sentes-te bem? - inquiri, preocupado.
- Estou bem - disse ela, recompondo-se e persistindo no assunto. - Mas fazes-me um favor?
- O que quiseres - respondi.
- Prometes-me dizer só a verdade a partir de agora? Ou seja, sempre?
- Está bem.
De súbito, ela deteve-me e olhou-me fixamente.
- Estás a mentir-me neste preciso momento?
Não respondi na defensiva, perguntando-me onde ela quereria chegar.
- Prometo que a partir de agora vou dizer-te sempre a verdade.
De certo modo, quando o disse, sabia que me havia de arrepender.
Recomeçamos a andar. Enquanto descíamos a rua, olhei para a mão dela, que estava presa em volta da minha, e vi uma grande contusão mesmo por debaixo do seu dedo anelar. Não fazia a mínima idéia de onde vinha aquilo, uma vez que não existia no dia anterior. Por um segundo, pensei que pudesse ter sido causada por mim, mas depois percebi que nem sequer a tinha tocado naquele sítio.
- As pessoas acham que eu sou estranha, não acham? - perguntou de novo.
A minha respiração saía em pequenas baforadas.
- Sim - respondi por fim. Custou-me ter de dizê-lo. - Porquê? Parecia quase desanimada.
Pensei no assunto.
- As pessoas têm razões diferentes - disse vagamente, esforçando-me para não ir mais longe.
- Mas porquê, exatamente? É por causa do meu pai? Ou é porque eu tento ser boa para as pessoas?
Não queria estar ali.
- Suponho que sim - foi tudo o que consegui responder. Senti-me um pouco agoniado.
Jamie parecia desapontada e caminhamos um pouco mais em silêncio.
- Também pensas que eu sou estranha? - perguntou-me.
A maneira como o disse magoou-me mais do que eu imaginara possível. Estávamos quase a chegar a casa dela quando lhe cortei o passo e a abracei com força. Beijei-a e, quando nos separamos, ela olhou para o chão.
Coloquei o meu dedo por baixo do queixo dela, levantando-lhe a cabeça e fazendo com que olhasse de novo para mim.
- Tu és uma pessoa maravilhosa, Jamie. És linda, és generosa, és delicada... És tudo o que eu gostaria de ser. Se os outros não gostam de ti, ou pensam que és estranha, o problema é deles.
Sob o brilho acinzentado de um dia frio de Inverno, reparei que o seu lábio inferior tremia. Com o meu acontecia o mesmo, e percebi subitamente que o meu coração também estava a acelerar. Olhei-a nos olhos, sorrindo com toda a emoção que consegui reunir, sabendo que não conseguia manter as palavras dentro de mim por mais tempo.
- Amo-te, Jamie - disse-lhe. - És a melhor coisa que já me aconteceu.
Era a primeira vez que dizia aquelas palavras a alguém. Quando imaginava pronunciá-las pensava sempre que iria ser difícil, mas não foi. Nunca antes tivera tanta certeza de qualquer coisa.
Mal disse aquelas palavras, porém, Jamie baixou a cabeça e começou a chorar, encostando o seu corpo ao meu. Envolvi-a nos meus braços, perguntando-me o que se passava. Ela estava magra e percebi, pela primeira vez, que os meus braços a envolviam completamente. Tinha emagrecido, mesmo na última semana e meia, e lembrei-me que mal tocara na sua comida naquele dia. Continuou a chorar encostada ao meu peito durante o que me pareceu muito tempo. Não sabia bem o que pensar, ou até se ela sentia o mesmo que eu. Ainda assim, não lamentei as minhas palavras. A verdade é sempre a verdade e tinha acabado de lhe prometer que nunca mais lhe mentiria.
- Por favor, não digas isso - disse-me ela. - Por favor...
- Mas é verdade - contrapus, pensando que ela não acreditara em mim.
Começou a chorar ainda mais.
- Desculpa - sussurrou-me entre soluços rasgados. - Peço imensa desculpa...
Senti a garganta secar de repente.
- Por que é que pedes desculpa? - perguntei, subitamente ansioso por perceber o que estava a incomodá-la. - É por causa dos meus amigos e do que eles vão dizer? Já não me importo com isso, a sério que não. - Apegava-me a qualquer coisa, confuso e com medo.
Passou-se outro longo momento até ela deixar de chorar. Por fim, ergueu os olhos para mim. Beijou-me suavemente, quase como a respiração de um transeunte na rua de uma cidade, depois passou o dedo pela minha face.
- Não podes estar apaixonado por mim, Landon - disse ela de olhos vermelhos e inchados. - Podemos ser amigos, podemos encontrar-nos... Mas não podes amar-me.
- Por que não? - gritei roucamente, não percebendo nada daquilo.
- Porque - disse ela, por fim, baixinho - estou muito doente, Landon.
A idéia era-me tão absolutamente estranha que não conseguia compreender o que ela estava a tentar dizer.
- E depois? Daqui a alguns dias...
Um sorriso triste atravessou-lhe o rosto e soube imediatamente o que ela estava a tentar dizer-me. Os seus olhos nunca deixaram os meus quando, finalmente, disse as palavras que me entorpeceram a alma.
- Estou a morrer, Landon.

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