segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

CAPÍTULO 2


Depois da escola secundária, planeava ir para a Universidade da Carolina do Norte em Chapel HilI. O meu pai queria que eu fosse para Harvard ou Princeton, como os filhos de outros congressistas, mas com as minhas notas isso era impossível. Não que eu fosse um mau aluno. Simplesmente, não me concentrava nos estudos e as minhas notas não estavam bem à altura daquelas instituições de elite. Quando cheguei ao último ano de escola secundária era ainda bastante incerto se iria sequer ser aceite na UNC. No entanto, tratava-se da universidade onde estudara o meu pai, um lugar onde ele podia mexer alguns cordelinhos. Durante um dos seus poucos fins-de-semana em casa, o meu pai surgiu com um plano que me daria hipóteses de ser admitido. A primeira semana de aulas tinha chegado ao fim, e encontrávamo-nos à mesa a jantar. Ele ia ficar em casa durante três dias por ser o fim-de-semana do Dia do Trabalhador.
- Penso que devias candidatar-te a presidente da associação de estudantes - disse ele. - Vais acabar a escola em Junho, e penso que ficaria bem no teu currículo. A propósito, a tua mãe é da mesma opinião.
A minha mãe acenou afirmativamente com a cabeça enquanto mastigava uma garfada de ervilhas. Não falava muito quando o meu pai tinha a palavra, mas piscava-me o olho de vez em quando. às vezes, penso que a minha mãe gostava de me ver encolher de medo perante o meu pai, apesar de ser amorosa.
- Acho que não teria qualquer hipótese de ganhar - disse eu. Embora fosse, provavelmente, o rapaz mais rico da escola, não era de maneira alguma o mais popular. Essa honra pertencia a Eric Hunter, o meu melhor amigo. Ele conseguia atirar uma bola de basebol a quase cento e cinqüenta quilômetros por hora e conduzira a equipa de futebol a títulos estaduais consecutivos como o seu quarter-back favorito. Era um garanhão. Até o seu nome tinha um som impecável.
- Claro que podes ganhar - retorquiu o meu pai rapidamente. - Nós, os Carter, ganham sempre.
Essa era outra das razões pelas quais não gostava de passar muito tempo com o meu pai. Durante as poucas vezes em que estava em casa, penso que o que ele queria era moldar-me numa pequena versão de si mesmo. Como fui criado a maior parte do tempo longe dele, comecei a ficar irritado com a sua presença. Aquela era a primeira conversa que tínhamos há várias semanas. Raramente falava comigo ao telefone.
-Mas, e se eu não quiser?
O meu pai pousou o garfo, com um bocado de costeleta de porco ainda na ponta. Fitou-me com um ar zangado, examinando-me de cima a baixo. Vestia um fato, apesar de estarem quase trinta graus dentro de casa, e isso tornava-o ainda mais intimidante. A propósito, o meu pai andava sempre de fato.
- Eu penso - disse ele devagar - que seria uma boa idéia.
Eu sabia que quando ele falava daquela maneira o assunto estava resolvido. Era assim que as coisas funcionavam na minha família. A palavra do meu pai era lei. Mas a verdade era que mesmo depois de concordar, eu continuava a não querer fazê-lo. Não queria perder a minha tarde a encontrar-me com professores depois das aulas! Todas as semanas durante o resto do ano, a tentar inventar temas para os bailes da escola ou a decidir de que cor seriam as serpentinas. Na verdade, era só isso que os presidentes da associação faziam, pelo menos no tempo em que eu andava na escola. Os estudantes não tinham qualquer poder para, de fato, tomarem decisões sobre alguma coisa importante.
Mas mais uma vez sabia que o meu pai tinha uma certa razão. Se eu quisesse ir para a UNC, tinha de fazer alguma coisa. Não jogava futebol, nem basquetebol, não tocava qualquer instrumento, não pertencia ao clube de xadrez ou ao clube de boliche ou a qualquer outro. Não era brilhante na sala de aulas, raio, não era brilhante em quase nada! Começando a ficar desanimado, fiz uma lista do que sabia realmente fazer mas, para ser franco, não havia muita coisa. Podia fazer oito diferentes tipos de nós de vela, podia andar descalço no asfalto quente mais tempo do que qualquer pessoa que conhecia, podia equilibrar um lápis verticalmente sobre o dedo durante trinta segundos... Mas não achava que qualquer dessas coisas pudesse realmente impressionar na candidatura a uma universidade. Então fiquei ali, deitado na cama a noite inteira, chegando lentamente à decepcionante conclusão de que era um falhado. Obrigado pai.
Na manhã seguinte, fui ao escritório do diretor e acrescentei o meu nome à lista de candidatos. Havia dois outros concorrentes - John Foteman e Maggie Brown. Ora bem, John não tinha qualquer hipótese, disso tive logo a certeza. Era daqueles rapazes que tirava fios das nossas roupas enquanto falava conosco. Mas era bom aluno. Sentava-se na fila da frente e levantava a mão sempre que o professor fazia uma pergunta. Se fosse chamado a responder, dava quase sempre a resposta certa e virava a cabeça de um lado para o outro com um ar convencido no rosto, como que a provar a superioridade da sua inteligência quando comparada à dos outros plebeus na sala. Eric e eu costumávamos atirar-lhe bolinhas de papel mastigado quando o professor virava as costas.
Maggie Brown era outra história. Também era boa aluna. Fizera parte do conselho de estudantes durante os primeiros três anos e tinha sido vice-presidente da associação no ano anterior. O seu único verdadeiro contra era não ser muito atraente, e tinha engordado quase dez quilos naquele Verão. Eu sabia que nem um único rapaz votaria nela.
Depois de estudar a concorrência, percebi que, afinal, poderia ter uma hipótese. Todo o meu futuro estava em
jogo, por isso formulei a minha estratégia. Eric foi o primeiro a concordar.
- Claro, vou fazer com que todos na equipa votem em ti, não há problema. Se é isso mesmo que queres.
- E que tal as namoradas deles também? - perguntei.
Toda a minha campanha se resumiu basicamente a isso. Claro, fui aos debates a que devia ir e distribui aqueles estúpidos panfletos "O que farei se for eleito presidente", mas, na verdade, foi Eric Hunter quem me colocou onde era preciso chegar. A Escola Secundária de Beaufort tinha apenas quatrocentos alunos, pelo que conseguir os votos dos atletas era essencial, e a maior parte deles pouco se importava em quem votava. No fim, acabou tudo por correr tal como eu planeara.
Fui eleito presidente da associação de estudantes com uma maioria bastante significativa de votos. Não fazia qualquer idéia dos problemas a que isso me iria conduzir.

No penúltimo ano da escola secundária tive uma namorada chamada Angela Clark. Foi a minha primeira namorada a sério, apesar de o namoro ter durado apenas alguns meses. Mesmo antes de a escola fechar para as férias do Verão, trocou-me por um rapaz chamado Lew que tinha vinte anos e trabalhava como mecânico na oficina do pai. O seu principal atributo, tanto quanto pude perceber, era um grande e belo carro. Usava sempre uma T-shirt branca com um maço de Camels enfiado na manga e encostava-se ao capô do seu Thunderbird olhando de um lado para o outro a dizer coisas como "Olá, borracho" sempre que passava uma mulher. Era um verdadeiro campeão, se percebem o que quero dizer.
Bem, o baile de regresso às aulas aproximava-se e, por causa dessa história da Angela, ainda não tinha arranjado um par. Todos os membros do conselho de estudantes tinham de ir era obrigatório. Tinha de ajudar a decorar o ginásio e a limpá-lo no dia seguinte e, além disso, normalmente divertíamo-nos sempre bastante. Telefonei a duas meninas que conhecia, mas já tinham parceiro. Então telefonei a mais algumas. Também já estavam comprometidas. Na última semana antes do baile, as escolhas já eram poucas. Restavam-me aquelas meninas que usavam óculos de lentes grossas e que falavam com a língua presa. De qualquer maneira, Beaufort nunca fora um ninho de beldades, mas, ainda assim, tinha de encontrar alguém. Não queria ir ao baile sem par
o que é que isso iria parecer? Seria o único presidente da associação de estudantes na história a ir sozinho ao baile de regresso às aulas. Acabaria por ficar a servir o ponche a noite inteira ou a limpar o vomitado nas casas de banho. Era isso o que as pessoas sem parceiros normalmente faziam.
Quase a entrar em pânico, fui buscar o anuário escolar do ano anterior e comecei a folhear as páginas uma a uma à procura de alguém que talvez pudesse não ter parceiro. Primeiro examinei as páginas com as alunas do último ano. Embora muitas delas tivessem ido para a universidade, algumas ainda permaneciam na cidade. Apesar de achar que não tinha grandes hipóteses, telefonei-lhes e, claro, isso se comprovou. Não consegui encontrar ninguém, pelo menos ninguém que quisesse ir comigo. Já começava a ser bastante bom a lidar com tampas, digo-vos, apesar de isso não ser o gênero de coisa de que nos possamos gabar junto dos netos. A minha mãe sabia o que se estava a passar e, por fim, veio ao meu quarto, sentando-se na cama a meu lado.
- Se não conseguires arranjar par, terei muito prazer em ir contigo - disse.
- Obrigado, mãe - respondi, abatido.
Quando ela saiu do quarto, senti-me ainda pior do que antes. Até a minha mãe pensava que eu não iria conseguir encontrar alguém. E se aparecesse no baile com ela? Não, nem que vivesse cem anos, nunca iria ultrapassar isso.
A propósito, havia outro rapaz no mesmo barco. Carey Dennison tinha sido eleito tesoureiro e também ainda não tinha par. Carey era daqueles rapazes com quem ninguém queria estar, e a única razão por que tinha sido eleito fora porque concorrera sozinho. Mesmo assim, penso que ganhou por muito poucos votos. Tocava trombeta na banda da escola, e o seu corpo parecia completamente desproporcionado, como se tivesse parado de crescer a meio da puberdade. Tinha uma barriga enorme e braços e pernas desengonçados, como os Hoos em Hooville. Também tinha uma maneira de falar esganiçada - era o que fazia dele um tocador de trombeta tão bom, suponho - e estava sempre a fazer perguntas. "Onde é que foste no fim-de-semana passado? Foi divertido? Conheceste alguma menina?" Nem sequer esperava pela resposta, movendo-se constantemente de um lado para o outro enquanto fazia as perguntas, de modo que tínhamos de estar sempre a girar a cabeça para o manter à vista. Juro que deve ter sido a pessoa mais chata que alguma vez conheci. Se eu não arranjasse uma parceira, ele ia ficar ao meu lado a noite inteira, bombardeando-me com perguntas como um promotor de justiça transtornado.
Portanto, ali estava eu, folheando as páginas na secção dos alunos do penúltimo ano, quando vi a fotografia de Jamie Sullivan. Detive-me durante apenas um segundo, depois virei a página, amaldiçoando-me por ter sequer pensado naquela hipótese. Passei a hora seguinte à procura de alguém de aspecto minimamente decente, mas, lentamente, cheguei à conclusão de que já não restava mais ninguém. Por fim, voltei à fotografia dela e olhei-a de novo. Não era feia, disse para comigo, e realmente é muito simpática. Provavelmente, diria que sim, pensei...
Fechei o anuário. Jamie Sullivan? A filha de Hegbert? Nem pensar. De maneira nenhuma. Os meus amigos iriam esfolar-me vivo.
Mas se comparássemos isso a ter de levar a minha mãe ou limpar o vomitado ou até, Deus me livre... Carey Dennison?
Passei o resto da tarde debatendo os prós e os contras do meu dilema. Acreditem, vacilei durante algum tempo, mas, no fim, a escolha era evidente, até para mim. Tinha de pedir a Jamie para ir ao baile comigo, e dei voltas ao quarto a pensar na melhor maneira de o fazer.
Foi então que me apercebi de algo terrível, algo absolutamente assustador. Carey Dennison, pensei de repente, estava talvez a fazer exatamente o mesmo que eu naquele preciso momento. Se calhar, estava também a folhear o anuário! Ele era esquisito, mas também não era o tipo de rapaz que gostasse de limpar vomitado, e se conhecessem a mãe dele, saberiam que essa escolha era ainda pior do que a minha. E se ele pedisse a Jamie primeiro? Jamie seria incapaz de lhe dizer que não e, de fato, era a única opção que ele tinha. Ninguém, a não ser ela, aceitaria ser vista com ele. Jamie ajudava toda a gente - era uma daquelas santas da igualdade de oportunidades. Provavelmente, escutaria a voz esganiçada, detectaria a bondade irradiando do coração dele e aceitaria de uma assentada.
Assim, estava eu sentado no meu quarto, aflito com a possibilidade de Jamie não ir ao baile comigo. Mal dormi naquela noite, digo-vos, o que foi quase a coisa mais estranha por que já tinha passado. Não penso que alguém alguma vez tenha ficado tão ansioso por convidar Jamie para sair. Era a primeira coisa que tencionava fazer logo de manhã, enquanto ainda tivesse coragem, mas Jamie não estava na escola. Presumi que estivesse a trabalhar com os órfãos em Morehead City, como fazia todos os meses. Alguns de nós tínhamos tentado sair da escola usando também essa desculpa, mas Jamie era a única que conseguia ser convincente. O diretor sabia que ela estava a ler para os órfãos, ou a fazer trabalhos manuais, ou simplesmente a fazer jogos com eles. Não iria escapulir-se para a praia, ou para o Cecil's Diner, ou coisa do gênero. A idéia era completamente ridícula.
- Já tens par? - perguntou-me Eric num intervalo entre as aulas. Ele sabia muito bem que não, mas mesmo sendo o meu melhor amigo, gostava de me provocar de vez em quando.
- Ainda não - respondi - mas estou a tratar disso.
Ao fundo do corredor, Carey Dennison estava a abrir o seu cacifo. Juro que me lançou um olhar frio quando pensou que eu não estava a olhar para ele.
Foi assim esse dia.
Os minutos passaram lentamente durante a última aula. Do modo como via as coisas se eu e Carey saíssemos ao mesmo tempo, eu conseguiria chegar a casa dela primeiro, tendo em conta as pernas desengonçadas dele. Comecei a preparar-me mentalmente e quando a campainha tocou saí da escola a correr a toda a velocidade. Voei durante cerca de cem metros, depois comecei a ficar meio cansado e, em seguida, tive uma cãibra. Pouco depois, só conseguia andar, mas a cãibra começou mesmo a magoar-me e tive de me dobrar e segurar
o flanco da perna enquanto andava. Ao caminhar pelas ruas de Beaufort parecia uma versão asmática do Corcunda de Notre Dame.
Atrás de mim pensei ouvir o riso estridente de Carey. Olhei para trás, segurando a barriga com força para abafar a dor, mas não o vi. Talvez estivesse a fazer corta-mato através do quintal de alguém'. Era um filho da mãe manhoso, aquele. Não se podia confiar nele nem um minuto.
Comecei a cambalear ainda mais depressa e pouco tempo depois chegava à rua de Jamie. Nessa altura já estava todo transpirado - a camisa completamente encharcada e ainda respirava com dificuldade. Alcancei a porta da frente da casa, esperei um segundo para recuperar o fôlego e finalmente bati. Apesar da corrida febril até à casa dela, o meu lado pessimista dizia-me que seria Carey a abrir a porta. Imaginei-o a sorrir para mim com uma expressão vitoriosa, uma expressão que quereria essencialmente dizer "Desculpa lá, amigo, tarde de mais".
Mas não foi Carey quem abriu a porta, foi Jamie, e, pela primeira vez na vida, vi qual seria a sua aparência se ela fosse uma pessoa normal. Vestia calças de ganga e uma blusa vermelha, e embora o cabelo estivesse ainda apanhado, parecia mais informal do que era costume. Percebi que até podia ser gira se desse a si própria essa oportunidade.
- Landon - disse ao abrir a porta - que surpresa! - Jamie ficava sempre contente por ver alguém, eu inclusive, apesar de me ter parecido que o meu aspecto a sobressaltara um pouco. - Parece que estiveste a correr.
- Não propriamente - menti, limpando a testa. Felizmente, a cãibra estava a melhorar depressa.
- Tens a camisa toda transpirada.
- Ah, isso? - Olhei para a camisa. - Isso não é nada. É que às vezes transpiro muito.
- Se calhar, devias ir ao médico para ver o que é.
- Estou bem, tenho a certeza.
- De qualquer maneira, vou rezar por ti - ofereceu-se, sorrindo.
Jamie estava sempre a rezar por alguém. Já agora, juntava-me ao clube.
- Obrigado - disse eu.
Ela baixou o olhar e arrastou os pés por um momento.
- Bem, convidava-te a entrar, mas o meu pai não está e não autoriza que os rapazes entrem em nossa casa quando ele não está.
- Oh - disse eu, de um modo abatido - não faz mal. Podemos falar aqui, suponho. - Se tivesse escolha, teria preferido lá dentro.
- Queres uma limonada enquanto falamos? - perguntou. - Acabei de a fazer.
- Quero, sim - respondi.
- Volto já. - Entrou em casa, mas deixou a porta aberta, o que me permitiu dar uma espreitadela rápida à sala. A casa, notei, era pequena mas arrumada, com um piano encostado a uma parede e um sofá junto à outra. Uma pequena ventoinha oscilava a um dos cantos. Sobre a mesa de café estavam livros com títulos como Escutando Jesus e A Fé é a Resposta. A Bíblia de Jamie também lá estava, aberta no Evangelho de São Lucas.
Pouco depois,Jamie voltou com a limonada e sentámo-nos em duas cadeiras a um canto da varanda. Ela e o pai sentavam-se ali ao fim da tarde, eu sabia disso, pois passava pela casa deles de vez em quando. Mal nos sentamos, reparei em Mrs. Hastings, avizinha do outro lado da rua, a fazer-nos adeus. Jamie acenou também enquanto eu dava um jeito à cadeira para que Mrs. Hastings não pudesse ver a minha cara. Embora fosse pedir a Jamie para ir ao baile comigo, não queria que ninguém
nem mesmo Mrs. Hastings me visse ali no caso de ela já ter aceitado o pedido de Carey. Uma coisa era ir, de fato, com Jamie ao baile, outra era ser rejeitado por ela a favor de uma pessoa como Carey.
- Que estás a fazer? - perguntou-me Jamie. - Estás a pôr a cadeira ao sol.
- Gosto do sol - disse eu. Contudo, ela tinha razão. Quase imediatamente pude sentir os raios solares a queimar-me através da camisa e a fazer-me suar de novo.
- Se é isso que queres - disse Jamie, sorrindo. - Então, de que é que querias falar comigo?
Jamie levou as mãos à cabeça e começou a arranjar o cabelo. Que eu reparasse, o cabelo não tinha mudado um centímetro. Respirei fundo, tentando ganhar coragem, mas não conseguia obrigar-me a fazer a pergunta ainda.
- Então - disse em vez disso - estiveste no orfanato hoje?
Jamie olhou-me curiosa.
- Não. Eu e o meu pai estivemos no consultório do médico.
- Ele está bem?
Ela sorriu.
- Não podia estar melhor.
Acenei com a cabeça e olhei de relance para o outro lado da rua. Mrs. Hastings tinha voltado para dentro de casa, e não vi mais ninguém nas proximidades. A costa finalmente estava livre, mas ainda não estava pronto.
- Está um belo dia - disse eu, ganhando tempo.
- Sim, está.
- Quente, também.
- Isso é porque estás ao sol.
Olhei em volta, sentindo a tensão a aumentar.
- Olha, aposto que não há uma única nuvem no céu.
Desta vez, Jamie não respondeu e permanecemos em silêncio durante alguns momentos.
- Landon - disse ela, por fim - não vieste aqui para falar do tempo, pois não?
- Na verdade, não.
- Então por que é que estás aqui?
O momento da verdade tinha chegado. Aclarei a garganta.
- Bem... queria saber se vais ao baile de regresso às aulas.
- Ah - disse ela. Pelo tom da voz até parecia que desconhecia a existência de tal coisa. Mexi-me irrequieto na cadeira e aguardei a resposta.
- Na verdade, não tinha pensado em ir - disse Jamie finalmente.
- Mas se alguém te convidasse, irias talvez?
Levou um momento a responder.
- Não tenho a certeza - disse, pensando com cuidado.
- Suponho que sim, se tivesse oportunidade. Nunca fui a um baile de regresso às aulas.
- São divertidos - disse eu rapidamente. - Não muito divertidos, mas divertidos. - Especialmente quando comparado às minhas outras opções, não acrescentei.
Ela sorriu perante o meu recuo.
- Teria de falar com o meu pai, claro, mas se ele dissesse que não havia problema, então suponho que talvez fosse.
Na árvore junto à varanda, um pássaro começou a chilrear ruidosamente, como se soubesse que eu não deveria estar ali. Concentrei-me no som, tentando acalmar os nervos. Há dois dias apenas não me poderia ter imaginado a pensar naquilo sequer, mas de repente, ali estava, ouvindo-me a proferir as palavras mágicas.
- Bem, gostarias de ir ao baile comigo?
Percebi que tinha ficado surpreendida. Penso que ela julgara a pequena conversa que conduzira à pergunta um preâmbulo para o convite de outra pessoa. Por vezes, os adolescentes mandam os amigos "estudar o terreno", por assim dizer, para não terem de encarar uma possível rejeição. Apesar de Jamie não ser muito parecida com os outros adolescentes, tenho a certeza de que estava familiarizada com o conceito, pelo menos em teoria.
Em vez de responder imediatamente, todavia, Jamie virou a cara durante um longo momento. Senti uma sensação de vazio no estômago, porque presumi que ela iria dizer que não. Visões da minha mãe, vomitado e Carey inundaram-me a mente, e, de súbito, arrependi-me da maneira como me havia comportado em relação a ela durante todos aqueles anos. Lembrei-me de todas as vezes que tinha zombado dela, ou chamado fornicador ao pai, ou simplesmente ter feito pouco dela atrás das costas. No preciso momento em que me estava a sentir pessimamente com tudo aquilo e a imaginar como é que iria conseguir evitar Carey durante cinco horas, ela voltou-se e olhou de novo para mim. Tinha um ligeiro sorriso nos lábios.
- Adoraria - disse ela, por fim. - Com uma condição.
Eu preparei-me, esperando não ser alguma coisa demasiado horrível.
-Sim?
- Tens de prometer que não te vais apaixonar por mim.
Sabia que estava a brincar pela maneira como se riu, e não pude deixar de suspirar de alívio. às vezes, tinha de admitir, Jamie revelava bastante sentido de humor.
Sorri e dei-lhe a minha palavra.

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