segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

CAPÍTULO 3

Embora Jamie nunca tivesse ido a um baile de regresso às aulas, já tinha ido a bailes da igreja. Não dançava mal - eu também já estivera em alguns desses bailes e tinha-a visto
mas, para ser franco, era bastante difícil adivinhar como é que se sairia com alguém como eu. Nos bailes da igreja dançava sempre com pessoas mais velhas, porque ninguém da sua idade a convidava. E dançava muito bem aqueles estilos que tinham sido populares há cerca de trinta anos. Sinceramente, não sabia o que esperar dela.
Confesso que também estava um pouco preocupado com o que ela iria vestir, embora não fosse assunto do qual lhe fosse falar. Quando Jamie ia aos bailes da igreja vestia normalmente uma camisola velha e uma das saias de xadrez que víamos na escola todos os dias, mas o baile do regresso às aulas devia ser especial. A maioria das garotas compravam vestidos novos e os rapazes vestiam fatos e, naquele ano, íamos contratar um fotógrafo. Sabia que Jamie não ia comprar um vestido novo, porque não era propriamente rica. A profissão de sacerdote não dava muito dinheiro. Mas claro que os pastores não escolhiam essa ocupação por razões financeiras, escolhiam-na por vocação. Mas também não queria que ela vestisse a mesma coisa que levava para a escola todos os dias. Não tanto por mim - não sou assim tão insensível - mas por causa do que os outros pudessem dizer. Não queria que as pessoas troçassem dela ou algo do gênero.
As boas notícias, se é que havia boas notícias, foram que o Eric não me arreliou muito a propósito da minha escolha porque estava demasiado ocupado a pensar na sua própria parceira. Ele ia com Margaret Hays, a chefe da claque principal da nossa escola. Não era a mais esperta das meninas, mas era gira à sua maneira. Por gira refiro-me, claro, às pernas. Eric ofereceu-se para irmos trocando de par ao longo da noite, mas recusei porque não queria correr qualquer risco de ele troçar de Jamie. Era bom rapaz, mas podia ser um pouco cruel às vezes, especialmente depois de alguns copos de bourbon.
No dia do baile, estive bastante atarefado. Passei a maior parte da tarde ajudando a decorar o ginásio e tinha de estar em casa de Jamie cerca de meia hora mais cedo, porque o pai dela queria falar comigo, embora eu não soubesse porquê. Jamie surpreendera-me com esta exigência apenas na véspera, e não posso dizer que tenha ficado entusiasmado com a perspectiva. Imaginei que me fosse falar da tentação e do caminho pernicioso do pecado a que ela nos podia conduzir. Mas se viesse com a história da fornicação, eu sabia que ia cair morto ali mesmo. Rezei pequenas orações o dia inteiro na esperança de evitar aquela conversa, mas não tinha a certeza de que Deus fosse dar prioridade às minhas preces, por causa do modo como me havia comportado no passado. Ficava bastante nervoso só de pensar no assunto.
Depois de tomar um ducha, vesti o meu melhor fato, passei a correr pela florista para comprar flores para a Jamie e dirigi-me à casa dela. A minha mãe emprestou-me o carro e estacionei-o mesmo em frente à casa de Jamie. A hora ainda não tinha mudado, por isso havia ainda luz na rua quando cheguei e percorri o caminho esburacado em direção à porta. Bati e esperei um momento, depois bati novamente. Por trás da porta, ouvi Hegbert dizer "Já vou", mas não vinha propriamente a correr. Devo ter esperado ali mais ou menos dois minutos, a olhar para a porta, os ornatos, as pequenas fendas nos peitoris das janelas. A um canto, estavam as cadeiras onde eu e Jamie estivéramos sentados apenas alguns dias antes.
Aquela em que me havia sentado ainda estava virada na direção oposta. Supus que ninguém tinha estado ali durante os últimos dias.
Finalmente, a porta abriu-se, rangendo. A luz do candeeiro de dentro obscurecia ligeiramente o rosto de Hegbert e parecia refletir-se através do seu cabelo. Era velho, como já disse, setenta e dois anos pelos meus cálculos. Era a primeira vez que o via de tão perto, e conseguia ver-lhe todas as rugas no rosto. A pele era realmente translúcida, até mais do que eu tinha imaginado.
- Olá, Reverendo - disse eu, engolindo a minha ansiedade. - Estou aqui para levar a Jamie ao baile.
- Claro que está - disse ele. - Mas primeiro quero falar consigo.
- Sim, Reverendo, foi por isso que vim cedo.
- Entre.
Na igreja, Hegbert vestia-se de maneira muito elegante, mas naquele momento parecia um agricultor, com um fato-macaco e uma T-shirt. Fez-me sinal para me sentar na cadeira de madeira que trouxera da cozinha.
- Desculpe ter demorado um pouco a abrir a porta. Estava a trabalhar no sermão de amanhã - disse.
Sentei-me.
- Não tem importância, Reverendo. - Não sei porquê, mas tínhamos mesmo de o tratar por "Reverendo". Era como se ele projetasse essa imagem.
- Muito bem, então, fale-me de si.
Achei que era um pedido um tanto ridículo, tendo ele estado envolvido há tanto tempo com a minha família. Foi também ele que me batizou, e desde que eu era bebê que me via na igreja todos os domingos.
- Bem, Reverendo - comecei, não sabendo bem o que dizer - Sou presidente da associação de estudantes. Não sei se Jamie lhe falou nisso.
Acenou que sim com a cabeça.
- Falou. Continue.
- E... bem, espero ir para a Universidade da Carolina do Norte no próximo Outono. Já recebi o formulário da candidatura.
Acenou novamente com a cabeça.
- Mais alguma coisa?
Tenho de admitir que estava a ficar sem nada para dizer depois daquilo. Uma parte de mim queria pegar no lápis ao canto da mesa e começar a equilibrá-lo, demonstrando-lhe o que podia fazer durante trinta segundos, mas ele não era o gênero de pessoa para apreciar tal coisa.
- Creio que não, Reverendo.
- Importa-se que lhe faça uma pergunta?
- Não, Reverendo.
Olhou-me durante um bom bocado, como se estivesse a meditar sobre a pergunta.
- Por que é que pediu à minha filha para ir ao baile consigo? - perguntou finalmente.
Fiquei surpreendido, e sabia que a minha expressão o demonstrava.
- Não percebo o que quer dizer, Reverendo.
- Não está a planear fazer nada para... a embaraçar, pois não?
- Não, Reverendo - disse rapidamente, chocado com a acusação. - De maneira nenhuma. Precisava de alguém para me acompanhar, e pedi a Jamie. É tão simples quanto isso.
- Não tem nenhuma partida planeada?
- Não, Reverendo. Não faria isso com ela...
Isto continuou durante mais alguns minutos - ele a interrogar-me cerradamente acerca das minhas verdadeiras intenções, mas, por sorte, Jamie surgiu de um dos quartos das traseiras e o pai e eu viramo-nos para ela ao mesmo tempo. Hegbert finalmente parou de falar, e eu soltei um suspiro de alívio. Jamie vestia uma bonita saia azul e uma blusa branca que eu nunca tinha visto antes. Felizmente, tinha deixado a camisola no armário. Não estava mal, tinha de admitir, embora soubesse que, comparada com as outras, no baile, iria mesmo assim parecer mal vestida. Como sempre, tinha o cabelo apanhado. Por mim, achava que teria ficado melhor com ele solto, mas essa era a última coisa que queria dizer. Jamie parecia... Bem, Jamie parecia exatamente ela própria, mas pelo menos não fazia tensão de trazer a Bíblia consigo. Isso seria de mais para se agüentar.
- Não está a ser difícil com o Landon, pois não? - perguntou alegremente ao pai.
- Estávamos apenas a conversar - disse eu rapidamente antes de ele ter oportunidade de responder. Por alguma razão, não achava que ele tivesse falado com Jamie sobre o tipo de pessoa que ele pensava que eu era, e não considerava que aquela fosse boa altura para o fazer.
- Bem, se calhar, devíamos ir - sugeriu ela depois de um momento. Acho que pressentiu a tensão no ar. Dirigiu-se ao pai e deu-lhe um beijo na face. - Não fique até muito tarde a trabalhar naquele sermão, está bem?
- Está bem - disse ele baixinho. Mesmo comigo ali na sala, pude perceber que ele a amava verdadeiramente e que não tinha medo de o mostrar. O problema era o que pensava a meu respeito.
Despedimo-nos e a caminho do carro entreguei a Jamie as flores, dizendo-lhe que lhe mostraria como colocá-las ao peito quando estivéssemos dentro do carro. Abri-lhe a porta e dirigi-me para o outro lado, entrando também. Nesse pequeno período de tempo, Jamie já tinha colocado as flores ao peito.
- Não sou propriamente uma imbecil, sabes. Sei como se prendem as flores ao peito.
Pus o carro a trabalhar e segui em direção à escola. A conversa que acabara de ter com Hegbert dava-me voltas à cabeça.
- O meu pai não gosta muito de ti - disse ela, como se adivinhasse o que eu estava a pensar.
Acenei com a cabeça sem dizer nada.
- Acha que és irresponsável.
Acenei de novo.
- Também não gosta muito do teu pai.
Acenei com a cabeça mais uma vez.
- Ou da tua família.
- Já percebi.
- Mas sabes o que eu acho? - perguntou de repente.
- Não. - Por esta altura já estava bastante abatido.
- Acho que tudo isto estava de alguma maneira nos desígnios de Deus. O que é que achas que é a mensagem?
Pronto, lá vamos nós, pensei para comigo.
Duvido que a noite pudesse ter sido muito pior, se querem saber a verdade. A maior parte dos meus amigos manteve-se à distância. Depois, Jamie não tinha muitos amigos, por isso passamos a maior parte do tempo sozinhos. Pior ainda, descobri que, afinal, a minha presença já não era necessária. Tinham alterado as regras devido ao fato de Carey não ter conseguido arranjar par, e isso fez-me sentir bastante incomodado. Mas, lá por causa do que o pai dela me dissera, não ia levá-la para casa mais cedo, não é verdade? E mais, ela estava mesmo a divertir-se; até eu podia perceber isso. Adorou as decorações que eu ajudara a montar, adorou a música, adorou tudo no baile. Dizia-me constantemente que achava tudo uma maravilha e perguntou-me se poderia ajudá-la a decorar a igreja um dia, para um dos bailes que viessem a organizar. Murmurei meio contrafeito que podia telefonar-me e, apesar de o ter dito sem nenhum indício de energia, Jamie agradeceu-me por ser tão atencioso. Para ser franco, senti-me deprimido durante pelo menos a primeira hora, embora ela parecesse não notar.
Jamie tinha de estar em casa às onze da noite, uma hora antes de o baile terminar, o que tornava as coisas um pouco mais fáceis de suportar. Logo que a música começou, fomos dançar e descobri que ela dançava bastante bem melhor até que algumas das outras meninas e isso ajudou um pouco a passar o tempo. Deixou-se conduzir bastante bem durante cerca de uma dúzia de canções e, depois disso, dirigimo-nos às mesas e tivemos o que se assemelhou a uma conversa normal. Claro, soltou palavras como "fé" e "júbilo" e até "salvação" no meio da conversa e falou sobre ajudar os órfãos e salvar animaizinhos da auto-estrada, mas parecia realmente tão alegre que era difícil sentir-me em baixo durante muito tempo.
Daí que as coisas não tivessem corrido assim tão mal ao princípio, e, realmente, não foi pior do que aquilo que eu já esperava. Só quando Lew e Angela apareceram é que tudo começou mesmo a azedar.
Entraram poucos minutos depois de nós termos chegado. Ele vestia aquela T-shirt estúpida, os Camels na manga e uma crista de gel no cabelo à frente. Angela colou-se toda a ele logo desde o principio do baile, e não era preciso ser gênio para perceber que tinha bebido uns copos antes de ali chegar. O seu vestido era verdadeiramente vistoso - a mãe dela trabalhava num salão de cabeleireira e estava a par das últimas modas e reparei que tinha adquirido aquele hábito elegante de mascar pastilhas elásticas. Moia mesmo aquela pastilha, mascando-a quase como um ruminante.
Ora bem, o bom do Lew acrescentou álcool à tigela do ponche e algumas pessoas começaram a ficar tontas. Quando os professores descobriram, grande parte do ponche já tinha desaparecido e muitos dos presentes começavam a ficar com aquela expressão vítrea nos olhos. Quando vi Angela a beber o segundo copo, senti que devia ficar atento a ela. Apesar de me ter trocado por outro, eu não queria que nada de mal lhe acontecesse. Foi a primeira menina que beijei com a língua e, apesar de os nossos dentes terem chocado com tanta força na primeira vez, de tal modo que até vi estrelas e tive de tomar uma aspirina quando cheguei a casa, ainda sentia alguma coisa por ela.
Ali estava eu, sentado ao lado de Jamie, mal ouvindo as suas descrições das maravilhas do campo de férias da igreja, observando Angela pelo canto do olho, quando Lew deu comigo a olhar para ela. Num gesto nervoso, agarrou Angela à volta da cintura e arrastou-a até à nossa mesa, lançando-me um daqueles olhares desafiadores e perigosos. Sabem do que estou a falar.
- Estavas a olhar para a minha namorada? - perguntou, retesando-se.
-Não.
- Estava, pois - disse Angela, arrastando as palavras. Ele estava a olhar fixamente para mim. - Este é o meu antigo namorado, aquele de que te falei.
Os olhos dele semicerraram-se, como acontecia com os de Hegbert. Parece que provoco esse efeito em muitas pessoas.
- Então és tu? - perguntou ele, sorrindo com desdém.
Pois é, eu não sou muito dado a lutas. A única luta em que me envolvi foi no terceiro ano, e parece que a perdi logo, pois comecei a chorar mesmo antes de o outro rapaz me bater. Normalmente, não tinha grande dificuldade em manter-me afastado desse gênero de situações devido à minha natureza passiva e, para além disso, ninguém se metia comigo quando Eric estava por perto. Mas agora Eric estava algures lá fora com Margaret, provavelmente por trás das bancadas, em lado nenhum que se pudesse ver.
- Não estava a olhar - respondi finalmente - e não sei o que é que ela te disse, mas duvido que tenha sido verdade.
Lew semicerrou de novo os olhos.
- Estás a chamar mentirosa à Angela? - perguntou desdenhosamente.
Acho que ele me teria dado um soco ali mesmo, mas Jamie, de súbito, meteu-se na conversa.
- Não te conheço de algum lado? - perguntou alegremente, olhando-o no rosto. às vezes, Jamie parecia não se aperceber de situações que estavam a ocorrer mesmo à sua frente. - Espera, sim, conheço! Trabalhas na oficina do centro. O teu pai chama-se Joe e a tua avó vive na Foster Road à saída da cidade, perto da passagem de nível.
Uma expressão confusa instalou-se no rosto de Lew, como se estivesse a tentar compor um puzzle com demasiadas peças.
- Como é que sabes tudo isso? O que é que ele fez, também esteve a falar de mim?
- Não - respondeu Jamie - que disparate! - Riu-se sozinha. Só Jamie conseguia encontrar motivo para rir numa altura daquelas. - Vi uma fotografia tua na casa da tua avó. Eu ia a passar, e ela precisava de ajuda para levar as compras para dentro de casa. A foto estava em cima da lareira.
Lew olhava para Jamie como se ela tivesse espigas de milho a crescer-lhe nas orelhas.
Entretanto, Jamie abanava-se com a mão.
- Bem, viemo-nos sentar aqui para descansar um pouco depois de toda aquela dança. Faz mesmo calor ali. Querem juntar-se a nós? Temos duas cadeiras a mais. Adorava saber como tem passado a tua avó!
Ela parecia tão contente com tudo aquilo que Lew não sabia o que fazer. Ao contrário de nós, que estávamos habituados aquelas coisas, ele nunca conhecera ninguém como Jamie. Hesitou alguns momentos, tentando decidir se deveria esmurrar ou não o tipo que estava com a mulher que tinha ajudado a sua avó. Se vos parece confuso, imaginem o que se estava a passar naquele cérebro danificado pelos vapores da gasolina de uma oficina.
Por fim, foi-se embora sem responder, covardemente, levando Angela consigo. De qualquer maneira, Angela já se devia ter esquecido de como tudo aquilo havia começado, devido ao que já tinha bebido. Jamie e eu vimo-lo partir, e quando ele estava a uma distância segura, eu respirei de alívio. Nem sequer me dera conta de que tinha estado a reter a respiração.
- Obrigado - murmurei timidamente, apercebendo-me de que fora Jamie, quem havia de dizer, que me tinha salvo de graves danos físicos.
Jamie olhou de modo estranho para mim.
- Porquê? - perguntou, e como eu não lhe explicasse tudo com exatidão, voltou logo para a sua história do campo de férias, como se nada tivesse acontecido. Mas, desta vez, dei por mim realmente a escutá-la, pelo menos com um dos ouvidos. Era o mínimo que eu podia fazer.
Acontece que aquela não foi a última vez que vimos Lew e Angela nessa noite. Os dois copos de ponche tinham mesmo dado volta à menina, que acabou por vomitar na casa de banho das senhoras. Lew, sendo o cavalheiro que era, foi-se embora quando a ouviu vomitar, saindo furtivamente por onde tinha entrado. Foi a última vez que o vi. Jamie, quis assim o destino, foi quem encontrou Angela na casa de banho, e era evidente que Angela não estava muito bem. A única coisa a fazer era limpá-la e levá-la para casa antes que os professores descobrissem. Apanhar uma bebedeira era um caso muito grave naqueles tempos e, se fosse apanhada, corria o risco de ser suspensa, talvez até expulsa.
Jamie, Deus a abençoe, não queria que isso acontecesse. Eu também não, ainda que pudesse ter pensado de outra maneira se me tivessem perguntado de antemão, dado Angela ser menor e estar a violar a lei. Também tinha quebrado outra das regras de conduta de Hegbert. Hegbert reprovava severamente a violação da lei' e o consumo de álcool, e apesar de isso o não arrebatar tanto como a fornicação, todos sabíamos que levava tais casos muito a sério. Calculávamos que Jamie pensasse da mesma maneira. E talvez pensasse, mas o seu instinto de ajuda deve ter-se apoderado dela. Provavelmente, olhou para Angela e pensou "animalzinho ferido" ou coisa parecida, tomando de imediato conta da situação. Então fui à procura de Eric e encontrei-o atrás das bancadas. Concordou em ficar de guarda à porta da casa de banho enquanto Jamie e eu a limpávamos. A Angela tinha feito um belo trabalho, digo-vos. O vomitado estava por tudo o que era sítio menos na retrete. Nas paredes, no chão, nos lavatórios, até no teto, mas não me perguntem como é que ela conseguiu esse feito. Portanto, ali estava eu, de joelhos e mãos no chão, a limpar vomitado no baile de regresso às aulas no meu melhor fato azul, exatamente o que quisera evitar desde o princípio. E Jamie, o meu par, também estava de joelhos e mãos no chão, fazendo exatamente o mesmo.
Quase que podia ouvir o riso esganiçado de Carey algures, ao longe.
- Por favor, não contes nada disto ao teu pai - pedi.
- Está bem - concordou ela. Continuava a sorrir quando, finalmente, se voltou para mim. - Diverti-me muito hoje à noite. Obrigado por me teres levado ao baile.
Ali estava ela, coberta de vomito, a agradecer-me por aquela noite. Jamie Sullivan, às vezes, era mesmo capaz de dar com um tipo em doido.
Acabamos por sair às escondidas pela porta das traseiras do ginásio, mantendo Angela equilibrada entre nós, segurando-a para que se mantivesse de pé. Estava sempre a perguntar por Lew, mas Jamie dizia-lhe para não se preocupar. Tinha uma maneira verdadeiramente tranqüilizadora de falar com Angela, apesar de esta se encontrar tão fora de si que duvido que soubesse sequer quem é que estava a falar. Levado para o banco de trás do meu carro, onde desmaiou logo a seguir, mas não antes de ter vomitado mais uma vez no chão do carro. O cheiro era tão horrível que tivemos de abrir as janelas para não sufocarmos, e o caminho para a casa de Angela parecia mais longo que o habitual. A mãe dela veio à porta, olhou para a filha e levou-a para dentro de casa sem dar sequer uma palavra de agradecimento. Penso que se sentia envergonhada, e nós, de qualquer maneira, não tínhamos muito para lhe dizer. A situação falava por si.
Quando a deixamos eram já dez e quarenta e cinco e seguimos diretamente para a casa de Jamie. Fiquei bastante preocupado quando lá chegamos por causa da sua aparência e do cheiro, e rezei em silêncio para que Hegbert não estivesse acordado. Não queria ter de lhe explicar o que se tinha passado. Bem, por certo daria ouvidos a Jamie se fosse ela a contar, mas tinha um pressentimento de que, de qualquer maneira, ele arranjaria maneira de me culpar.
Acompanhei-a, então, até à porta e detivemo-nos no lado de fora sob a luz da varanda. Jamie cruzou os braços e esboçou um sorriso, dando a impressão de ter acabado de chegar de um calmo passeio noturno em que estivera a apreciar a beleza do mundo.

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